Ruy Espinheira Filho
A luz dos homens é título de um dos contos desta antologia (Contos antológicos. São Paulo: Nova Alexandria, 2009, 176 p., R$ 36,00) de Roniwalter Jatobá. Um conto sobre gente pobre, violência, mas também força de caráter, disposição para enfrentar as diversidades. Como são, em essência, as histórias criadas pelo autor nascido em Campanário (MG), morador – a partir dos dez anos – de Campo Formoso, sertão da Bahia, e trabalhador (de operário a jornalista e escritor)
Roniwalter Jatobá escreve sobre a vida. A vida que conheceu como nordestino migrante, motorista de caminhão, trabalhador de construção civil e fábrica, buscando condições melhores
Sim, Roniwalter parte de uma experiência real, porém não escreve como historiador, antropólogo ou sociólogo, muito menos cultivando correções políticas – e sim como escritor. Ou seja: aquele que, como diz Luiz Ruffato na apresentação do volume, “demiurgicamente, insufla alma aos personagens, cinzela seus rostos, dá-lhes identidade, arranca-os do anonimato a que foram relegados.” São homens, mulheres e crianças nos sonhos, angústias e labutas do cotidiano. Gente que construiu a cidade grande e rica – e é por ela marginalizada, às vezes vivendo abaixo da linha de pobreza. Como Jacinto, esvaindo-se em sangue e morrendo por falta de atendimento médico; a mãe de Zefim, na solidão e na saudade da terra distante; o sonho impossível de um pai desmoralizado em casa; a coragem daquele que cobra na ponta da peixeira o que lhe é de direito; a destruição de um trabalhador, envenenado pela química do seu ofício... Uma grande dor geral que só chega à luz dos carros da repressão, dos que destroem barracos e atiram antes de perguntar quem está na mira. A única e dura luz que, na verdade, os poderosos dirigem aos pobres, aos marginalizados, para melhor controle e eliminação.
Mas as vítimas de toda essa violência também têm a sua luz própria – e com ela resistem. É também uma luz dura, para enfrentar a dureza contrária, mas igualmente uma luz de virtudes como a persistência, a dignidade, a solidariedade, a ternura, o amor – e a inabalável esperança. Trata-se de uma antologia de contos, mas acaba por nos sugerir um romance, de tal maneira seus personagens pertencem ao mesmo mundo. São 23 histórias, mas todas interligadas, fazendo parte da história maior da vida de todos. Vidas, “entre coisas tão fortes”, que só poderiam mesmo ser contadas, em profundidade, por uma arte implacável, às vezes rude, mas também lírica, generosa e densa de calor humano, como a literatura de Roniwalter Jatobá.
Texto publicado originalmente
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