segunda-feira, 20 de julho de 2009

A dura luz dos homens


Ruy Espinheira Filho

 

        A luz dos homens é título de um dos contos desta antologia (Contos antológicos. São Paulo: Nova Alexandria, 2009, 176 p., R$ 36,00) de Roniwalter Jatobá. Um conto sobre gente pobre, violência, mas também força de caráter, disposição para enfrentar as diversidades. Como são, em essência, as histórias criadas pelo autor nascido em Campanário (MG), morador ­– a partir dos dez anos – de Campo Formoso, sertão da Bahia, e trabalhador (de operário a jornalista e escritor) em São Paulo, desde 1970. No conto citado, após testemunhar uma cena brutal de violência – a polícia, com faróis altos e refletores, assassinando pessoas na rua noturna –, o personagem principal se vê, ao pensar na família, “sentindo medo por amanhã, por eles, por esta casa tão fraca entre coisas tão fortes.” Sim, “entre coisas tão fortes” (a escravidão do trabalho, o poder do dinheiro, a estupidez da autoridade, as densas, altas e frias paredes da megalópole) é que vivem, sempre, esses personagens, e necessitam de toda a força do corpo e da alma para resistir e  manter intacta sua confiança num dia melhor.

            Roniwalter Jatobá escreve sobre a vida. A vida que conheceu como nordestino migrante, motorista de caminhão, trabalhador de construção civil e fábrica, buscando condições melhores em São Paulo. Algum crítico viciado em classificações poderá definir esta literatura como realista (e nem Machado de Assis escapou disto...), mas Roniwalter não tem nenhuma intenção de tratar cientificamente fatos e personagens, não levanta teses sociais – e muito menos tem a ver com a atual onda de realismo-politicamente-correto que vem assolando editoras e livrarias nacionais, com muita gente achando que o importante é o tema, não a qualidade, o que eleva à condição de escritor o sujeito que não sabe escrever, mas é bem intencionado, pois trata de temas como o homossexualismo, a negritude, a pedofilia e que tais. E acaba sendo elogiado, festejado, por abordar determinados assuntos, não por fazer literatura. Porque, nunca é demais lembrar, a literatura é uma arte, e talvez a mais complexa.

Sim, Roniwalter parte de uma experiência real, porém não escreve como historiador, antropólogo ou sociólogo, muito menos cultivando correções políticas – e sim como escritor. Ou seja: aquele que, como diz Luiz Ruffato na apresentação do volume, “demiurgicamente, insufla alma aos personagens, cinzela seus rostos, dá-lhes identidade, arranca-os do anonimato a que foram relegados.” São homens, mulheres e crianças nos sonhos, angústias e labutas do cotidiano. Gente que construiu a cidade grande e rica – e é por ela marginalizada, às vezes vivendo abaixo da linha de pobreza. Como Jacinto, esvaindo-se em sangue e morrendo por falta de atendimento médico; a mãe de Zefim, na solidão e na saudade da terra distante; o sonho impossível de um pai desmoralizado em casa; a coragem daquele que cobra na ponta da peixeira o que lhe é de direito; a destruição de um trabalhador, envenenado pela química do seu ofício... Uma grande dor geral que só chega à luz dos carros da repressão, dos que destroem barracos e atiram antes de perguntar quem está na mira. A única e dura luz que, na verdade, os poderosos dirigem aos pobres, aos marginalizados, para melhor controle e eliminação.

Mas as vítimas de toda essa violência também têm a sua luz própria – e com ela resistem. É também uma luz dura, para enfrentar a dureza contrária, mas igualmente uma luz de virtudes como a persistência, a dignidade, a solidariedade, a ternura, o amor – e a inabalável esperança. Trata-se de uma antologia de contos, mas acaba por nos sugerir um romance, de tal maneira seus personagens pertencem ao mesmo mundo. São 23 histórias, mas todas interligadas, fazendo parte da história maior da vida de todos. Vidas, “entre coisas tão fortes”, que só poderiam mesmo ser contadas, em profundidade, por uma arte implacável, às vezes rude, mas também lírica, generosa e densa de calor humano, como a literatura de Roniwalter Jatobá. 

 

Texto publicado originalmente em A Tarde (Cultural), Salvador, 18/07/2009.   

 

 

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