segunda-feira, 28 de março de 2011

Crônicas do mundo ao revés

Novo livro de Flávio Aguiar foi lançado em 17/3/2011 em São Paulo. Roniwalter Jatobá vê emergência da literatura dos anos de chumbo.


“Arte Memorável”,

por Roniwalter Jatobá

Anos atrás, início da década de 1990, alguém perguntou para mim por que a nossa literatura pouco enfocava o triste período do regime militar. Lembro bem do que respondi: “Dê tempo ao tempo”. Assim, pouco a pouco, muitos fatos têm vindo à tona, sobretudo em textos memorialísticos, mas também na literatura. Os dramas vividos naqueles duros tempos da ditadura, por sinal, servem de tema para o professor e escritor Flávio Aguiar nestas Crônicas do mundo ao revés. As quatro primeiras histórias, num total de dezenove, mostram situações muito além do que é claramente visto, seja narrando uma noite de medo e amor de um casal atuante na luta armada num esconderijo urbano cercado pela polícia, seja a angústia do guerrilheiro que, para resolver seus problemas advindos com a tortura, procura no exílio a ajuda de um psicanalista. Mas o livro toma outros rumos. Honrando a tradição de bons contadores de histórias, que combinam a simplicidade da arte de narrar com a abordagem de questões mais complexas, como fizeram o argentino Jorge Luís Borges e o uruguaio Juan José Morosoli, Flávio Aguiar recupera, num clima de ficção e realidade, o sentimento daquele exato momento da vida de suas personagens. Em “O ninho”, por exemplo, a temática é o amor. De forma surpreendente, um homem conquistador é seduzido por uma charmosa mulher, mas, após alguns dias de muito prazer, ela o deixa para ir em busca do próprio destino. Já em “A tinturaria”, dois amigos e filhos dos pampas brasileiro e uruguaio, tão parecidos quanto diferentes, viajam para Caracas, na Venezuela, para o Fórum Social Mundial, e, após vários desencontros, voltam fascinados e apaixonados por uma mulher apelidada de Pan de Azúcar. Noutra direção, em “História de família”, o autor procura suas raízes alemãs e, em “Ai de ti, 64”, relata a trajetória de um oficial da Aeronáutica para com quem o povo e a cidade de Porto Alegre têm uma dívida imorredoura, pois foram salvos por ele e outros militares de um bombardeio criminoso. O gaúcho Flávio Wolf de Aguiar, nascido em Porto Alegre em 1947, sempre nos iluminou em todas as atividades às quais se dedicou no mundo da cultura. Foi assim como professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo, romancista, antologista, contista, crítico literário e analista político. Agora, de novo, nos surpreende como cronista. Ou melhor: como um excelente contador de histórias, numa arte memorável, generosa, densa e repleta da condição humana.

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