Roniwalter Jatobá*
O cinema norte-americano já usou, por diversas vezes, a imprensa como tema de filmes instigantes e esclarecedores sobre o dia-a-dia do trabalho jornalístico nos EUA. Em 1951, o diretor Billy Wilder já mostrava, em A montanha dos sete abutres (The big carnival), a falta de ética do ambicioso e decadente repórter Charles Tatum (Kirk Douglas), que, disposto a noticiar um grande furo e resgatar prestígio e credibilidade, constrói toda uma história a partir de um acidente, manipulando desde a família da vítima até as autoridades.
Trinta anos depois, em 1981, seria a vez do diretor Sydney Pollack com Ausência de malícia (Absence of malice). Estrelado por Paul Newman e Sally Field, o filme mostra a situação clássica de manipulação da imprensa pelas autoridades e como interesses particulares podem comandar o que sai em uma publicação, mesmo quando os jornalistas não têm consciência disso. Com roteiro do jornalista Kurt Luedtke, ex-editor do Detroit Free Press, o filme revela, em resumo, que as reportagens do caso servem muito mais ao governo do que ao público leitor.
O tema da manipulação da imprensa pelo governo é o roteiro central deste livro do jornalista Carlos Eduardo Pestana Magalhães. Observador atento, ele analisa a cobertura da invasão militar do Iraque pelos EUA e como isso foi e está sendo tratado pela imprensa norte-americana, tanto nos jornais como na TV e na Internet. Com certeza, essa cobertura não é nada exemplar. Em suas análises, “a tão falada liberdade de imprensa nos EUA só existe quando não há confrontação com o ‘american way of life’ e os valores patrióticos ianques, normalmente impostos pelas administrações governamentais, além daqueles historicamente aceitos pela população”.
Segundo ele, o nível de manipulação das informações pela mídia dos EUA continua firme e forte. Há uma forte sinergia – política e ideológica – entre a maioria dos veículos de imprensa, editoras, universidades etc. e o governo. Acima de tudo está o país, a pátria, a bandeira, os interesses americanos, sejam eles quais forem. Nesse bombardeamento constante de mentiras, de manipulação de informações, a mídia do país, tão ciosa das liberdades de imprensa e de opinião, vergonhosamente, mais uma vez, capitulou.
O que acontece hoje na mídia dos EUA e é com vigor abordado por Carlos Eduardo Pestana Magalhães talvez possa ser explicado por uma frase do jornalista norte-americano Walter Lippman (1899-1974) “Quem acredita que notícia e verdade são duas palavras que designam a mesma coisa não vai a lugar nenhum. A função da notícia é sinalizar um acontecimento. A função da verdade é trazer à luz fatos ocultos”.
Walter Lippman sabia o que estava dizendo. Afinal, ele foi a partir dos anos 20 uma das principais figuras no desenvolvimento das comunicações nos EUA, um dos responsáveis pela exploração de novas técnicas de propaganda, sob o argumento de que a manipulação de populações era necessária para administrar formalmente sociedades democráticas.Este livro vai contra essa corrente ou contra a maré. Ao terminar de ler estes artigos realizados com um olhar na cobertura da imprensa na chamada Guerra do Iraque e publicados na Internet entre 2003 e 2005, o leitor terá uma idéia diferente da imprensa norte-americana, considerada como paradigma de imprensa livre no mundo democrático. Ao contrário, revela um jornalismo controlado e manipulado pelos governantes e pela elite política e econômica do país. Certamente, um exemplo a não ser seguido, como afirma o próprio autor.
* Roniwalter Jatobá é jornalista e escritor
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