Não repisarei aqui a polêmica sobre o manto dourado do rei da Abissínia... Muitos crêem que ele seja bem mais reluzente do que o do rei da Pérsia. E olha que, ainda que não consigam convencer aqueles que pensam o contrário, são capazes de dar uma perna pela causa. Afinal, o que encontra mais adeptos do que a rivalidade de méritos? É uma coisa que nunca descansa e, não raro, acaba
Longe de querer resolvê-lo, arrisco dizer que, nesse campo — e num tempo em que muita inovação molenga passa facilmente por matéria rara —, o novo literário não é para ser confundido com as novidades de ocasião. Aquele permanecerá; estas, quando muito, são circo de cavalinhos. O realmente novo está com escritores que percorreram já um longo (e difícil) caminho, e que nos mostram, inequivocamente, que nem tudo que reluz é ouro. É o que eu chamaria, sem pestanejar, de luta literária.
Isto, a meu ver, ocorre com a obra de Roniwalter Jatobá. É literatura nova, no melhor significado do termo, e de um vigor que faz jus aos predicados que possam ser atribuídos a ela. E isso há 30 anos! Exatamente: estamos comemorando trinta anos de atividade de um escritor cuja consistência e permanência de sua arte o autorizam à condição conquistada do novo que vale a pena. A arte de Roniwalter atingiu já a condição de obra permanente e necessária: não passará, pois, com as chuvas do verão.
Com seu mais recente livro aqui à mão, o irrepreensível “Rios Sedentos” (Nova Alexandria, 2006), reconduzo o olhar e a memória aos muitos filhos de Roniwalter Jatobá que estão enfileirados aqui na estante, e que começaram a me chegar ao conhecimento ali pelo começo da década de 1980: “Sabor de Química” (contos, 1976); “Crônicas da Vida Operária” (1978: prêmio Casa de las Americas, de Cuba); “Filhos do Medo” (romance, 1979); “Pássaro Selvagem” (romance, 1975); “Tiziu” (romance, 1994); “O Pavão Misterioso” (crônicas, 1999); “Paragens” (novelas, 2004)... Isto só para citar alguns, e sem esquecer, é claro, das incursões do autor pela história — e pela mescla de ficção, história e biografia —, onde ele também é craque: “Juazeiro: guerra no sertão” (1996); “A crise do regime militar” (1997); “O Jovem Che Guevara (2004).
Claro que, em meio a essa obra vária e inquieta, tenho minhas preferências. Nesse sentido, a prosa de ficção de Roniwalter é mesmo o meu fraco. Seu texto é arte fina que fornece uma dimensão preciosa daquela literatura que consagra ao autor o perfil de um escritor que “num recanto pôs o mundo inteiro” (lembrando aqui um verso do imenso Machado de Assis).
O que a prosa de Roniwalter transmite e revela é essencialmente vida.
Os temas preferenciais têm como ponto de partida, e de chegada, nossa triste e inegável condição de seres abandonados ao jogo bárbaro de uma existência sem razão, num país igualmente dilacerado. Através, principalmente, da atenção para a vida dura do migrante, para o mundo do trabalho extenuante que maltrata e consome, para os cubículos das periferias, para o encontro violento e desolador do pequenino, tímido e solitário trabalhador interiorano com a engrenagem gigantesca e bruta da metrópole é que Roniwalter compõe um canto de solidariedade aos que sofrem sem que sejam sequer notados. Aos que não tiveram ainda a oportunidade de o ler, além de “Rios Sedentos” (2006), recomendo entusiasticamente a leitura de “Paragens” (2004), uma reunião de três obras do autor. Ali estão: “Pássaro Selvagem”, “Paragens” e “Tiziu”. Relativamente à primeira, julgo-a a obra-prima do escritor.
* Noel Arantes é doutorando em Teoria e História Literária pela Unicamp e docente da Universidade São Francisco (texto publicado no jornal Correio Popular, Campinas, 17/2/2007).
terça-feira, 25 de agosto de 2009
A vida, essencialmente vida
Noel Arantes*
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